Falar a verdade também é cultura

No romance de Alexandre Dumas (1802-1870), Les Mohicans de Paris, há uma referência de culpabilidade quando se lê: “cherchons la femme” considerada a culpada de tudo o que lá ocorre. Assim é na política patchwork libanesa, onde sempre são encontrados os sauditas. No tempo de Rafiq Al-Hariri este, de personalidade forte, ainda que subservientes à Casa de Saud nem sempre conseguiam tudo com facilidade. Na atualidade, Saad Al-Hariri nem chega a piscar quando ouve as ordens. Como também as milícias cristãs também servem à causa da Arábia Saudita, estes são encarregados do treinamento da oposição síria. As armas, como não passam pelo Líbano para abastecer o Hamas ou o Hizbullah, passam livremente seguindo um caminho que vem dos Estados Unidos para a Arábia Saudita daí para o Líbano e deste para a Síria; tudo novinho em folha e eficiente.

Talvez já seja a hora de dizer que não concordo com o tratamento que o povo sírio está recebendo de seu governo; uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Se o governo sírio cair, quem garante saber o que virá depois? Cassandra ouvia Apolo e os inimigos da Síria e do povo sírio ouvem o diabo, mas não devem esquecer que se Bachar Al-Assad cair, vamos encontrar Estados Unidos, Arábia Saudita e Israel chorando pelas esquinas de arrependimento por falta de previsão. Se lhes interessasse o destino do povo sírio deveriam negociar com Bachar e levá-lo a realizar as reformas. Aliás, é bom lembrar, pela negociação muitos problemas no mundo teriam sido resolvidos, desde as margens do Eufrates até às do Nilo. Já que falamos de negociação, é ainda é hora de resolver pela negociação o roubo do gás libanês que está ocorrendo no triângulo Palestina-Líbano-Chipre, antes que se tenha que retirar “colonos aquáticos” dentro em breve.

Voltando aos sauditas, toda a política do Reino tem como base o wahhabismo sunita que se julga capaz de qualificar ou desqualificar quem quer que seja. Há às vezes exceções, mas o objetivo é o mesmo, como no caso das milícias cristãs libanesas; tudo serve desde que sirva, em última instância, a wahhab-saud; a religião e o estado.

Se os rebeldes sírios e os infiltrados entre eles estivessem desarmados não precisariam de tanques para derrotá-los, ninguém é idiota neste meio, desde Bachar até o Baath, passando pelas Forças Armadas. A rebelião, ou melhor, as rebeliões, teriam sido esmagadas em horas e não durariam semanas a fio.

Quem conhece a Síria tem certeza que Al-Assad e os que o cercam e ou se beneficiam do regime não dão a mínima para religião. A religião, de forma deturpada, está na Irmandade Muçulmana, na Arábia Saudita, no Partido do Futuro, em Israel e só não está nos Estados Unidos porque lá os que se beneficiam do petróleo e das armas não têm deus nem pátria. Destacando o papel saudita na refrega síria só se pode notar a semelhança entre esta intervenção, negada, mas existente, com aquela ingerência em Barein; aqui apoiando rebeldes por serem sunitas e lá desapoiando revoltosos por serem xiitas. Por serem produtores de petróleo, Arábia Saudita e Irã têm interesses comuns e são muçulmanos, já que gostam de religião, mas aí se junta a fome com a vontade de comer: um é contra os xiitas e o outro adversário dos sunitas. Se a religião, a estreita e obtusa religião, não fosse o objetivo primeiro, seria o caso de lançar uma pergunta tardia: porque então combateram a casa Hachemita, descendente do Profeta Muhammad, tão sunitas quanto a Casa de Saud e a resposta é óbvia que sunita não importa e o que interessa é wahhabita. Bem se pode ir além afirmando que contra os sunitas hachemitas usaram os bons ofícios interesseiros dos cristãos britânicos. Isto pode, na Península Arábica e no País dos Cedros.

O terrorismo muda de qualificação como camaleão de cor e depende de como é visto, por quem, quando e onde. Nos atuais acontecimentos no Reino Unido não se ouve falar em terrorismo islâmico e ele estava presente na Noruega até se transformar em outro, mas ninguém o chamou de terrorismo cristão. Estes casos não irão ao Conselho de Segurança e Israel nunca cumpriu as resoluções do Conselho de Segurança das Nações e nem tampouco da Assembléia Geral, a não ser a metade de uma, e é difícil encontrar quem qualifica este comportamento de terrorismo judaico. A Arábia Saudita tem classificações para terrorismo dependendo do país e de seu interesse nele: Iêmen, Bareine, Síria, Palestina, Líbano, Egito, Tunísia e outros lugares deste planeta.

Pelo que ocorre com a rede Al Jazeera a imprensa deveria se engajar ao lado da verdade dos fatos, na apuração deles antes de publicá-los e não ficar papagaiando notícias que lhes vêm de interessados em pescar em águas turvas.

Falar a verdade também é cultura!

José Farhat é cientista político.

São Paulo, 25 de agosto de 2011.

Sobre José FARHAT

Formado em Ciências Políticas (USJ-Beirute) e Propaganda e Marketing (ESPM-São Paulo), tem cursos de extensão ou pós-graduação em: Comércio Exterior (FGV-São Paulo), Introdução à Teoria Política (PUC-São Paulo), Direito Internacional (PUC-SP) e cursou Filosofia no Collège Patriarcal Grec-Catholique (CPGC-Beirute). Domina os idiomas: Árabe, Francês, Inglês e Português e tem artigos publicados sobre Política Internacional, no Brasil e no Líbano. É ex-Diretor Executivo e atual Conselheiro do Conselho Superior de Administração da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira; foi Superintendente de Relações Internacionais da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e é seu atual membro do Conselho de Comércio Exterior e atual Diretor do Centro do Comércio do Estado de São Paulo. É ex-Presidente e atual Diretor de Relações Internacionais do Instituto da Cultura Árabe.
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2 respostas para Falar a verdade também é cultura

  1. Fuad Achcar disse:

    Parabéns Farhat.
    A verdade tem que ser dita, apesar de descontentar alguns.
    Há três semanas o governo da Síria apreendeu diversos caminhões carregados de armas, inclusive metralhadoras de última geração, entrando no país pela fronteira do que sobrou do Iraque.
    Há poucos dias, em Latakia, foi encontrado um depósito com grande quantidade de armas, tudo enviado pelos que querem dominar a Síria, por interesses particulares de gente e grupos que nada tem com o País.
    A Síria é o único país independente do Oriente Médio e, também, o único onde não predominam os interesses religiosos. O Patriarca Melquita em entrevista à revista 30 dias tratou desse tema lembrando a liberdade religiosa lá existente e a convivência cordial do povo independente de religião.
    Com essa gente que se autodenomina do futuro (só deve ser o deles) e com o dinheiro saudita temos que nos preocupar com o futuro da região.
    Devemos sempre lembrar que a Folha de São Paulo do dia 23 de janeiro trouxe reportagem mostrando enviados americanos aqui para São Paulo para tratar com o movimento 14 de março do Líbano, do qual o Partido Futuro faz parte, uma forma de se iniciar o processo de desestabilização da Síria, o que começou dois meses depois. Nessa reportagem são citados até os interlocutores que atenderam aquela pessoas. O interessante é que a reportagem da Folha foi feita de tal forma que leva o leitor a entender que aquelas pessoas representam nossa coletividade no Brasil.
    Ontem o Bispo de Jerusalém denunciou que existe um grande complô contra a Siria, “e seu papel nacionalista, humanitário, panárabe e espiritual na região”.
    A luta continua.
    ALLAH SURIA BASHAR U BASS

    • José FARHAT disse:

      Prezado Fuad Achcar,
      Agradeço o seu comentário que me incentiva a continuar a luta pela Verdade em prol da Liberdade do povo árabe.
      Esta luta não tem trégua; ainda esta semana estão investindo contra os Alauitas, com a finalidade única de atingir o Presidente Bachar al-Assad. Sabemos de onde vem e pensam eles não termos consciência de que Religião, na Síria, é de foro íntimo das pessoas e não tem inlfuência alguma sobre o povo e o governo e o convívio entre ambos.
      Isto não é verdade no Líbano, mas nossa luta também abrange a eliminação do confessionalismo.
      Continuemos lutando.

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